A discussão sobre a redução da jornada de trabalho ganhou destaque nos últimos dias com a apresentação de uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) na Câmara dos Deputados. O assunto gerou interesse da classe trabalhadora, de empregadores e também da advocacia trabalhista. A proposta, que tem apoio suficiente para iniciar tramitação na Câmara, prevê a redução da jornada máxima de trabalho de 44 para 36 horas semanais, com o objetivo de pôr fim à escala 6x1, em que o trabalhador folga apenas um dia na semana.
Membro da Comissão da Advocacia Trabalhista da OAB SP (Ordem dos Advogados do Brasil Seção São Paulo), Marcelo Martins explica que essa discussão não é de hoje e que os primeiros projetos para redução de jornada começaram a ser debatidos no Congresso em 2009. Ele também pontuou que a PEC apresentada agora vai precisar de um quórum qualificado e deverá ser aprovada por comissões especiais na Câmara e no Senado antes de ir para votação.
Martins reforça ainda a importância da participação de entidades sindicais no debate. “Sinto a ausência da participação dos sindicatos nesta proposta. Porque depois corremos o risco de ter justamente a entidade sindical questionando, através de ações de dissídio coletivo, a legitimidade de uma lei que eles deixaram passar”, afirmou.
Para o professor Fabiano Zavanella, que também integra a Comissão, o ajuste mais adequado para qualquer alteração de jornada seria a negociação coletiva, considerando o tamanho do país e a heterogeneidade das atividades. “Não é um assunto simples e não há tanto avanço sobre a perspectiva de redução de jornada através das normas coletivas”, avaliou.
Antonio Galvão Peres, outro membro da Comissão, acredita que existam assuntos mais urgentes para serem debatidos no Congresso em matéria trabalhista, como a reforma sindical e as regras de proteção a “não-empregados”, como os trabalhadores de plataformas digitais. “Existe um verdadeiro abismo entre os trabalhadores ‘com proteção’ e ‘sem proteção’. Estender novos direitos aos protegidos (empregados) e continuar ignorando os desprotegidos pode ter consequências nefastas”, destacou.
Peres ressalta que outra prioridade do País deveria ser o combate às causas da baixa produtividade do trabalhador brasileiro, com investimento em áreas como inovação tecnológica e acesso à educação. “Não há como justificar a redução da duração do trabalho usando como exemplo países como o Reino Unido. Temos um dos piores índices de produtividade do mundo e a PEC pode dificultar ainda mais nossa competitividade externa”, afirma.
“Deve ser considerado o risco de consequência oposta nas atividades com menores salários. Muitos podem substituir os dias de folga por dias de trabalho em outro emprego, ou pior, em atividades informais. Hoje isso já é uma disfunção do regime 12X36. Diversos enfermeiros e técnicos de enfermagem alternam jornadas em mais de um hospital, o que também é comum nas atividades de segurança privada. Aproveitam a folga para um novo trabalho, sendo os baixos salários um estímulo natural”, disse Peres.
Zavanella também leva em consideração o problema de achatamento do salário no Brasil, em virtude do peso que os encargos impõem à folha de pagamento. “E aí, portanto, a reforma fiscal é de grande relevância e deveria ser discutida com mais seriedade, rapidez e dinâmica, fundamentalmente para que conseguíssemos a desoneração da folha e uma diminuição desse achatamento”, defendeu. “Temos a sensação de que quem recebe, recebe pouco, e de que quem paga, paga muito, que hoje é a nossa realidade. Com mais dinheiro no bolso, talvez o trabalhador use de fato esse dia de descanso para descansar e não para realizar algum bico”, completou o advogado trabalhista.
Os membros da Comissão da Advocacia Trabalhista concordam que há um problema básico no texto da PEC: a proposta reduz a jornada para 36 horas semanais e quatro dias de trabalho na semana, mas mantém oito horas diárias de trabalho, como previsto na Constituição Federal (quatro dias vezes oito horas resulta em 32 e não em 36 horas). “A grande discussão é mais sobre o controle da jornada do que sobre a fixação da jornada. É uma grande ilusão e a gente sabe disso. A jornada fixada pela Constituição Federal deveria ser a jornada máxima. O fato é que essa jornada, que era para ser o teto, passou a ser base, então passaram a negociar a possibilidade de horas extras muito além daquelas duas horas previstas pela Constituição Federal”, disse Marcelo Martins.
O advogado trabalhista destacou ainda que a Constituição Federal veda a redução de salário em caso de uma possível redução da jornada, mas que decisões do Supremo Tribunal Federal (STF) em matérias trabalhistas têm provocado insegurança jurídica no setor. “O STF vem cada vez mais ingressando nas matérias de cunho trabalhista e, em algumas decisões, o Supremo permitiu o acolhimento de convenções coletivas de trabalho que regulem direitos inferiores aos mínimos estabelecidos na CLT (Tema 1046). Há uma situação aqui de insegurança jurídica”, alertou Marcelo Martins.
“A sociedade e, em especial, os advogados, devem se interessar e contribuir para o debate, lembrando que por trás de boas intenções podem se esconder grandes males”, finalizou Antonio Peres.
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