20 de março de 2024 - quarta

Advocacia predatória põe em risco atendimento jurídico à sociedade

As consequências das atividades de escritórios ou advogados no uso abusivo do Judiciário por meio de demandas predatórias atingem diretamente a sociedade.


As consequências das atividades de escritórios ou advogados no uso abusivo do Judiciário por meio de demandas predatórias atingem diretamente a sociedade. A prática, se não confrontada, pode submeter a atendimentos não especializados aqueles que realmente precisam de orientações jurídicas, pondo em risco a legitimidade de seus pedidos.
 Essa é uma percepção que tem preocupado a Ordem dos Advogados do Brasil Seccional São Paulo (OAB-SP), segundo Bruno Salvatori Paletta, presidente da Comissão de Combate ao Exercício Ilegal da Profissão da entidade.
A advocacia predatória é configurada por ações de massa, em petições padronizadas, objetivando vantagens indevidas. As alegações são, em geral, genéricas, sem fundamentação idônea. Quando são identificadas, percebe-se, em grande parte, o uso de pessoas vulneráveis no polo ativo dos processos.
De 2022 até maio deste ano, o Núcleo de Monitoramento de Perfis de Demandas (Numopede), da Corregedoria Geral da Justiça de São Paulo, recebeu 735 comunicações de magistrados relacionadas a litigância predatória verificadas em processos que correm no estado. Conforme levantamentos realizados pelo Numopede, a partir de casos em que efetivamente reconhecida a ocorrência de litigância predatória pelo juiz da causa, é possível estimar que a litigância predatória gera uma movimentação entre 300 mil a 600 mil processos, a um custo que ultrapassa R$ 1 bilhão por ano, apenas no Judiciário Paulista.
Os dados foram computados pelo Tribunal de Justiça de São Paulo a pedido da revista eletrônica Consultor Jurídico.

Em busca realizada no sistema do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP), a ConJur identificou que, entre junho de 2022 e abril de 2023, o juiz Héber Mendes Batista, da 4ª Vara Cível de Ribeirão Preto (SP), condenou, por diversas vezes e individualmente, um trio de advogados por litigância de má-fé em processos ajuizados contra instituições financeiras.

Por cada uma das condenações, os profissionais — e seus respectivos representados nos processos — devem pagar multas no valor de um salário-mínimo, cada. Para as condenações, o magistrado se baseou em entendimentos já firmados no TJ-SP. 
Outro exemplo vem da Bahia. Um advogado de Juazeiro ajuizou diversas ações em causa própria e representando familiares próximos, alegando descumprimento de ofertas de diversos tipos de produtos anunciados em plataformas virtuais.

O profissional entrou com ações idênticas contra diferentes sites. Ele alegou que, quando clicava no anúncio de um produto, era direcionado ao site responsável pela sua venda, mas não localizava a oferta inicial. Os processos foram apresentados em seu nome, de sua namorada e seus pais, em um período de apenas quatro dias de diferença da data dos protocolos, todas com o mesmo pedido relativo ao mesmo produto.

Após a defesa de uma das empresas acionadas indicar a prática predatória do advogado, ele pediu a desistência das ações.

Em março deste ano, o juiz Rômulo Macedo Bastos, da Vara Única da Comarca de Saloá (PE), extinguiu 1.476 processos ajuizados por quatro advogados inscritos originalmente na OAB de Tocantins e com inscrição suplementar em outras unidades federativas.

O magistrado levou em consideração diversos indícios de ajuizamento irregular de ações na comarca e de má-fé processual por meio de petições padronizadas e sem documentação suficiente. Entre outras características, o juiz identificou também ilegalidade na captação de clientela e abuso da gratuidade da Justiça e do direito de litigar.

No fim de abril, a Justiça do Trabalho paulista condenou o autor de uma ação, juntamente com a sua testemunha, ao pagamento de uma multa por litigância de má-fé, no importe de 2% do valor da causa, por entender que existiam indícios e elementos da prática de advocacia predatória.

A juíza Tatiane Pastorelli Dutra, da 3ª Vara do Trabalho de Mauá (SP), observou que todos os empregados representados pelo escritório de advocacia que assiste o trabalhador praticam exatamente a mesma jornada de trabalho, idêntica quantidade de sábados, domingos e feriados trabalhados e com igual supressão de intervalo.

Apurações
À Conjur, Bruno Salvatori Paletta diz que a OAB-SP enxerga a advocacia predatória com muita preocupação, "haja vista que as consequências de um escritório e/ou um advogado que atua nesse mercado atinge diretamente a sociedade".

Como exemplo, ele diz que a alta demanda de contatos e clientes acarreta um atendimento não especializado. "Assim, existe o risco de recomendações e orientações jurídicas realizadas por profissionais que não são advogados devidamente inscritos na OAB."

Segundo ele, Comissão de Combate ao Exercício Ilegal da entidade tem recebido e apurado queixas sobre demandas predatórias. As avaliações das acusações são feitas por relatores especializados.

"Concluindo essa apuração e identificando advogados, eles são imediatamente encaminhados ao Tribunal de Ética da OAB de São Paulo. Concluindo que não há advogados envolvidos nos casos, a Comissão solicita a abertura de Inquérito Policial para apuração de Contravenção Penal e ingresso Ação Civil Pública em face dos denunciados."

A comissão não tem a capacidade legal de punir, mas apura a denúncia com outorga de parecer para ingressar com ação civil pública e abertura de inquérito. "A punibilidade será exercida pelo órgão competente, como o Tribunal de Ética e Disciplina, que tem poder legal para punir os advogados que atuam contra as normas da advocacia", conclui.
 

 

 

 


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