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10 de maio de 2024 - sexta

Licença-maternidade: proteção ou restrição ao mercado de trabalho?

Por Lívia Maria de Carvalho


Historicamente, a divisão sexual do trabalho privilegiou o homem em detrimento da mulher. A elas cabia o trabalho doméstico e o dever de procriar e cuidar da prole e, aos homens, a esfera produtiva.

É de se observar que a inserção da mulher no mercado de trabalho, que se deu com o advento da revolução industrial, estava atrelada à necessidade de mão-de-obra barata, e não, a uma política econômica de igualdade de gênero e raça.

Diante da necessidade de dar amparo à mulher nos períodos de gestação e pós-parto, mas também da visão de que a mulher é mais responsável pelo cuidado com a prole do que o homem, surgiu a licença-maternidade.

A licença-maternidade é um direito constitucionalmente garantido às trabalhadoras urbanas e rurais, de se afastarem do trabalho e continuarem recebendo seu salário e os benefícios, por um período de 120 dias.

Com o advento da Lei n° 14.457/2022, que cria o programa “Emprega + Mulheres”, com normas para incentivar a empregabilidade das mulheres e incentivar a participação dos homens na dinâmica familiar, surgiram novas regras para empresas participantes do Programa Empresa Cidadã a respeito dos 60 dias de prorrogação da licença-maternidade.

Segundo o texto, esses dois meses extras poderão ser compartilhados entre a empregada e o companheiro, desde que ambos trabalhem em uma empresa cidadã (art. 1º, §3º da lei 11.770/08). Outra novidade é que, caso a mãe opte por utilizar sozinha os 6 meses de licença (120 dias + 60 dias), os 60 dias de prorrogação poderão ser transformados em 120 dias com meia-jornada e o pagamento integral dos salários.

Art. 1º-A. Fica a empresa participante do Programa Empresa Cidadã autorizada a substituir o período de prorrogação da licença-maternidade de que trata o inciso I do caput do art. 1º desta lei pela redução de jornada de trabalho em 50% (cinquenta por cento) pelo período de 120 (cento e vinte) dias: 
§ 1º São requisitos para efetuar a substituição de que trata o “caput” deste artigo: 
I – pagamento integral do salário à empregada ou ao empregado pelo período de 120 (cento e vinte) dias; 
II – acordo individual firmado entre o empregador e a empregada ou o empregado interessados em adotar a medida. 
§ 2º A substituição de que trata o “caput” deste artigo poderá ser concedido na forma prevista no § 3º do art. 1º desta lei. (lei 11.770/08).

E ainda, no retorno da licença-maternidade da mãe, a lei permite que o pai, em acordo com a empresa, suspenda o contrato de trabalho por até 5 meses para a realização de curso de forma não presencial com carga horária máxima de 20 horas semanais (art. 17 da Lei n° 14.457/2022).

Sem prejuízo da licença-maternidade e com intuito de dar proteção ao emprego e evitar a dispensa discriminatória e sem justa causa, o artigo 10 do ADCT (Ato das Disposições Constitucionais Transitórias), cujo conteúdo normativo é referenciado pelo artigo 391-A da CLT (Consolidação das Leis Trabalhistas) prevê o direito à estabilidade no emprego desde quando é confirmada a gravidez até cinco meses após o parto. Para tanto, basta comprovar a gravidez no curso do contrato para que haja incidência da regra que assegura a estabilidade provisória.

O fundamento jurídico desta estabilidade é a proteção à maternidade e à infância, ou seja, proteger a gestante e o nascituro, assegurando a dignidade da pessoa humana.

A confirmação da gravidez, expressão utilizada na Constituição, refere-se à afirmativa médica do estado gestacional da empregada e não exige que o empregador tenha ciência prévia da situação da gravidez, conforme se extrai da Súmula nº 244 do Tribunal Superior do Trabalho, que abaixo se transcreve:

Súmula nº 244 do TST

GESTANTE. ESTABILIDADE PROVISÓRIA (redação do item III alterada na sessão do Tribunal Pleno realizada em 14.09.2012) - Res. 185/2012, DEJT divulgado em 25, 26 e 27.09.2012
I - O desconhecimento do estado gravídico pelo empregador não afasta o direito ao pagamento da indenização decorrente da estabilidade (art. 10, II, "b" do ADCT).
II - A garantia de emprego à gestante só autoriza a reintegração se esta se der durante o período de estabilidade. Do contrário, a garantia restringe-se aos salários e demais direitos correspondentes ao período de estabilidade.
III - A empregada gestante tem direito à estabilidade provisória prevista no art. 10, inciso II, alínea “b”, do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, mesmo na hipótese de admissão mediante contrato por tempo determinado.

Mesmo assim, os Tribunais estão abarrotados de Reclamações Trabalhistas pleiteando a reversão da dispensa discriminatória e o pagamento dos salários decorrentes do período de estabilidade.

Todavia, em que pese o esforço do legislador ao sancionar a Lei n° 14.457/2022, para incentivar a participação masculina na dinâmica familiar, todos os benefícios decorrentes do advento de um filho são praticamente exclusivos da mulher, o que demonstra que a sociedade, em termos culturais, não enxerga a importância do compartilhamento do ônus de cuidar e educar, refletindo esse pensamento na legislação brasileira.

No entanto, não se defende, o retrocesso ao estágio da igualdade meramente formal, em que não eram reconhecidos direitos próprios do gênero feminino. Não é esse o objetivo. Mas é preciso evoluir e enxergar a ampliação da licença parental como mecanismo de eliminação da desigualdade de gênero.

O Brasil precisa de um modelo que quebre o paradigma da tradicional divisão do trabalho reprodutivo (mulher cuidadora e homem provedor), que favoreça uma maior convivência do pai com a criança e aumento da responsabilidade quanto aos cuidados. Já no campo trabalhista, a licença-maternidade deixa de ser uma desvantagem na hora da contratação apenas da mulher, pois passa a ser um benefício de todos os trabalhadores.

Cabe neste ponto destacar a importância não só dos legisladores para alcançar esse objetivo, mas da sociedade como um todo que precisa firmar uma tendência de divisão equilibrada do trabalho.

As recentes alterações legislativas constituem um avanço, sim, na busca por igualdade de gênero, porém ainda sonhamos com o dia que mais mulheres poderão adentrar, permanecer e ascender no mercado de trabalho. E mais do que isso, ocupar mais cargos de liderança com naturalidade, sem que isso pareça um atrevimento.

Lívia Maria de Carvalho é coordenadora da Comissão de Igualdade Racial da 22ª subseção da OAB SP - São José do Rio Preto, Membro Efetiva Regional da Comissão Permanente de Governança e Integridade da OAB SP, Integrante do MeeToo Brasil Justiça, Membro do Cielo Laboral e pesquisadora do GPTC (Grupo de Pesquisa Trabalho e Capital) - USP/SP.


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