O Chambers Awards Brazil 2024 representa um marco significativo no cenário jurídico brasileiro ao incluir, pela primeira vez, uma seção dedicada exclusivamente ao Terceiro Setor. Um dos principais rankings da advocacia reconhece advogados, escritórios de advocacia e departamentos jurídicos de diferentes áreas de atuação, e na edição deste ano, ranqueou os profissionais que se destacaram na prestação de serviços especializados para organizações sem fins lucrativos.
Dos nove nomes reconhecidos no ranking, oito deles são advogados com atuação na Comissão de Direito do Terceiro Setor da OAB SP (Ordem dos Advogados do Brasil Secional São Paulo), presidida pela advogada, Laís de Figueirêdo Lopes, que figura na lista em primeiro lugar.
Os outros sete são: Flávia Regina de Souza Oliveira e Clara Serva que também ficaram na primeira posição; Juliana Ramalho e Eduardo Pannunzio, em segundo lugar; Paula Storto e Priscila Pasqualin que estão em terceiro lugar; e Aline Viotto Gomes que conquistou a categoria de “up and coming”. Todos eles foram destacados pelo impacto de suas contribuições, nas salas de tribunal e na modelagem das regulamentações e práticas que governam estas organizações. Os critérios envolvem uma combinação de experiência, conhecimento, inovação e olhar do mercado. São diferentes expertises e contribuições de práticas jurídicas voltadas ao Terceiro Setor.
Em entrevista ao Jornal da Advocacia, a advogada Laís de Figueirêdo Lopes destacou que o Terceiro Setor ainda não faz parte do currículo da grande maioria das faculdades de Direito, enumera os principais desafios, assim como o crescimento e reconhecimento dessa área tão importante do Direito:
Quais os principais desafios enfrentados pelos advogados que atuam no Terceiro Setor?
A evolução regulatória do setor filantrópico exige especialidade para criação, apoio a gestão e prestação de contas das organizações sem fins lucrativos, o que engloba governança, transparência, parcerias com o setor público e privado, além de imunidades fiscais, isenções e incentivos para a captação de recursos. No geral, as normas que regem o Terceiro Setor demandam conhecimento jurídico específico, para garantir conformidade legal e eficácia nas operações das organizações.
A diversidade das organizações também representa um desafio significativo. A advocacia para as entidades sem fins lucrativos exige compreensão de camadas regulatórias específicas em áreas como assistência social, saúde, educação, meio ambiente, direitos humanos, cultura, ciência e tecnologia, habitação, equidade racial, pessoas com deficiência, pessoas idosas, crianças e adolescentes, pessoas em situação de rua, entre outras. Atuar no fortalecimento institucional do próprio Terceiro Setor, exige dos advogados conhecimento detalhado do ecossistema das entidades e de sua regulamentação.
A grande maioria das faculdades de Direito ainda não inclui o Direito do Terceiro Setor em seus currículos. É um desafio não ter tido a matéria na faculdade. Há um campo fértil que tem sido desenvolvido e que desperta muito interesse dos estudantes de Direito e incentiva sua formação mais humanitária. Lançamos em seminário realizado logo no primeiro ano da nossa gestão, um ebook para incentivar atividades de ensino, extensão e pesquisa nas faculdades de Direito brasileiras voltadas ao Terceiro Setor, de forma a reconhecer a singularidade das OSCs na formação dos estudantes.
Um outro ponto desafiador é lidar com a Administração Pública que não se despe do olhar puro de direito público para colocar as lentes específicas das leis que regem o Terceiro Setor e suas relações de parceria com o Estado. Um exemplo é a Lei 13.019/2014, considerada o Marco Regulatório das Organizações da Sociedade Civil (MROSC), que completa 10 anos em 31 de julho de 2014. O novo regime jurídico afastou a aplicação da Lei de Licitações para as parcerias com as entidades, mas muitos ainda não mudaram essa chave. É preciso capacitar gestores e órgãos de controle para assegurar que as relações de parceria com as organizações sem fins lucrativos respeitem sua autonomia e características de direito privado e estejam primariamente focados na simplificação dos procedimentos e controle de resultados. A oferta de serviços e projetos de natureza pública em parceria não transformam as organizações da sociedade civil em órgãos públicos.
Diante de um mercado que abriga cerca de 880 mil organizações ativas, representa 4,27% do PIB e gera mais de R$ 423 bilhões para a economia, e que demanda uma governança eficiente para o sucesso e a sustentabilidade dessas entidades, a Presidente da Comissão de Direito do Terceiro Setor da OAB SP, Laís de Figueirêdo Lopes, falou na entrevista abaixo sobre os principais desafios para advogar no Terceiro Setor, quais áreas do Direito têm sido colaborativas com o Terceiro Setor e como a Chambers Awards Brazil estimula jovens advogados a se especializarem no Terceiro Setor.
A sustentabilidade financeira é uma preocupação constante para as Organizações da Sociedade Civil (OSCs), que precisam estruturar processos de captação de recursos para que se garanta suas atividades. Elaboramos o e-book “Fomento à Cultura de Doação na Advocacia”, oferecendo respaldo e orientações para aqueles que desejam efetivar doações. O material fornece informações técnicas para advogadas e advogados. Temos uma novidade positiva na Reforma Tributária que é a desoneração tributária das doações prevista agora na Constituição Federal. A não incidência de ITCMD deve ainda ser regulamentada, mas já é uma super conquista. Em novembro devemos lançar uma edição atualizada do material.
O trabalho Pro Bono também surge como um desafio relevante. Muitos confundem e é preciso explicar a diferença e a relevância das duas práticas nos escritórios de advocacia. A Advocacia Pro Bono pode ser prestada de forma gratuita às entidades economicamente vulneráveis, mas também pode ser voltada para as pessoas físicas que igualmente não dispuserem de recursos. Essa atuação vai para além do Terceiro Setor, podendo incluir direito penal, de família e internacional, como na defesa de mulheres vítimas de violência e refugiados. Já há mais tempo a Chambers tem um ranking sobre a advocacia pro bono. Este de agora, que é inédito, é sobre a advocacia no Terceiro Setor de forma remunerada, como mercado especializado em entidades privadas sem fins lucrativos, que se apresenta como um mercado pujante no Brasil.
Quais são as perspectivas para o futuro da advocacia dedicada a essa área do Terceiro Setor?
Estamos cada vez mais preocupados com as mudanças climáticas e a proteção dos direitos humanos. Não vejo um mundo que não leve mais em consideração questões ambientais e sociais. Não é à toa que hoje o tema ESG esteja tão em voga. Nesse sentido, são muito promissoras as perspectivas para a advocacia especializada no Terceiro Setor.
Atuar com governança nas organizações da sociedade civil é algo bastante demandado. Os documentos societários das associações, fundações e organizações religiosas, assim como dos chamados negócios de impacto, podem ser bastante sofisticados por conta da possibilidade de customização e autorregulação, a depender do perfil dos instituidores, parceiros e beneficiários. Apoiar os Conselhos e as Diretorias, garantindo formalização de regras, boa gestão de processos internos e mitigação de conflitos de interesse é um trabalho muito interessante. Dialoga com o que se discute na governança corporativa, mas tem um jeito diferente de olhar essa ausência de propriedade e organizar as instâncias de decisão para transparência e controle.
No direito tributário, as entidades privadas sem fins lucrativos podem ter imunidades e isenções fiscais que exigem uma abordagem especializada para determinar a classificação mais adequada, dependendo de sua área de atuação. A Constituição Federal concede um tratamento tributário mais favorável às instituições tradicionais de educação, saúde e assistência social. Compreender as distinções para o enquadramento correto é fundamental. Com a Reforma Tributária, temos a imunidade de IBS e CBS, não incidência do ITCMD e reduções de alíquotas em áreas que são exercidas pela sociedade civil, como ciência e tecnologia, por exemplo. São discussões muito relevantes e que exigem atualização constantes.
Há incentivos fiscais vigentes que possuem legislações específicas e exigem cautela desde a fase de pactuação até a prestação de contas, assim como numerosas parcerias estabelecidas pelas organizações com a Administração Pública, a partir de diferentes modalidades, sejam elas organizações da sociedade civil, organizações sociais ou organizações da sociedade civil de interesse público. Portanto, é recomendável preparo para assessorar de maneira preventiva e lidar com litígios administrativos junto aos órgãos nas prestações de contas de recursos públicos, incluindo nos Tribunais de Contas. Quando necessário, pode ser acionado o Poder Judiciário também nas questões fiscais e de direito público que envolvem as entidades privadas sem fins lucrativos.
Atualmente, observa-se uma crescente implementação de programas de compliance¹ baseados na Lei Anticorrupção e em normativas correlatas. Devido à natureza das organizações, há também uma considerável preocupação com o compliance antidiscriminatório, levando os escritórios de advocacia a se prepararem para auxiliar as entidades na estruturação de políticas, canais de integridade, comitês de ética e apoio na condução de medidas diante de relatos, denúncias e investigações. Compreender o universo das entidades privadas sem fins lucrativos é determinante para adaptar as ferramentas e mapear de maneira mais precisa os riscos a que cada uma está exposta.
A Lei Geral de Proteção de Dados também gera uma perspectiva interessante para os advogados e advogadas da área do Terceiro Setor, na medida em que seu cumprimento demanda adequação de processos, documentos e governança, além de análises de casos concretos envolvendo a temática de proteção de dados. Trazer esse direito fundamental para a lógica das organizações é um desafio importante.
Por fim, vale mencionar o engajamento em "advocacy" que se mostra como uma solicitação crescente, demandando conhecimento de áreas de atuação setoriais diversas e bem interessantes, além do funcionamento do Poder Legislativo nas três esferas da federação, da formulação e implementação de políticas públicas pelo Poder Executivo e de litigâncias estratégicas no Judiciário.
Como a Chambers Awards Brazil estimula jovens advogados a se especializarem no Terceiro Setor?
A Chambers Awards Brazil estabelece um padrão de excelência na área e pode inspirar mais profissionais e jovens advogados a se especializarem no Terceiro Setor, promovendo inovação jurídica, fortalecendo a rede profissional e incentivando uma advocacia comprometida com o desenvolvimento social no Brasil, capaz de gerar resultados expressivos.
A valorização do mercado contribui muito para a atração de novos profissionais. No geral, os advogados do Terceiro Setor estão envolvidos com a advocacia motivados pelo desejo de mudanças sociais e ambientais. Eles buscam influenciar políticas públicas e promover impactos positivos na sociedade. Acreditar que é possível fazer a diferença no mundo, que cada um pode contribuir para uma sociedade mais justa, é fundamental para quem deseja seguir por este caminho.
Ao aumentar a visibilidade e a conscientização sobre questões jurídicas específicas do setor, a premiação pode possibilitar uma colaboração mais efetiva entre advogados, organizações e os demais stakeholders² do ecossistema, fortalecendo o Terceiro Setor em sua totalidade.
Espero que cada vez mais cresça essa advocacia com propósitos!
Advocacy é um conjunto de práticas estruturadas, voltadas para a mudança de políticas públicas em prol de uma causa.
Compliance¹ significa seguir as leis, normas e regras estabelecidas, seja ao nível federal ou nas políticas corporativas.
Stakeholders² são os indivíduos e organizações influenciados pelas ações da sua empresa.
¹ https://www.impactaadvocacy.com.br/advocacy
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