AUTOR: Domingos Sávio Zainaghi. Pós-doutorado em Direito do Trabalho pela Universidade Castilla-La Mancha, Espanha. Doutor e mestre em Direito do Trabalho pela PUC-SP. Presidente honorário da Asociación Iberoamericana de DerechodelTrabajo y de la Seguridad Social.Membro do Instituto Cesarino Jr. Professor honoris causa da Universidad Paulo Freire de Manágua-Nicarágua. Membro da Academia Paulista de Direito. Professor do Curso de Mestrado do UNIFEO.Advogado.
Introdução
Antes de adentrarmos no tema específico de nosso trabalho, faz-se mister estudarmos a prescrição.
Segundo Câmara Leal três são os fundamentos três são os fundamentos que levaram à criação do instituto:
a) da necessidade de fixaras relações jurídicas incertas, evitando as controvérsias;
b) o castigo à negligência; e
c) o do interesse público.
Conforme Cunha Gonçalves citado por Washington de Barros Monteiro, “a prescrição é indispensável à estabilidade e consolidação de todos os direitos; sem ela nada seria permanente; o proprietário jamais estaria seguro de seus direitos, e o devedor livre de pagar duas vezes a mesma dívida”.
A palavra prescrição vem de praescriptio, que significa posto antes, e era um meio de defesa garantido ao possuidor contra terceiros, e era colocada na fórmula (período formulário) antes de se adentrar no mérito da causa, isto é, o magistrado era instigado a não examinar o mérito da demanda.
A prescrição pode ser aquisitiva e extintiva. Exemplo da primeira é o usucapião, onde adquirisse a propriedade pela posse prolongada. Já a extintiva ocorre quando alguém se libera de uma obrigação pelo decurso do tempo.
Barros Monteiro leciona sobre as desta forma:
“Se a força geradora prepondera sobre a força extintora temos a prescrição aquisitiva; se é a força extintora que prepondera sobre a força geradora, temos a prescrição extintiva. Caracteriza-se a primeira pela sua feição positiva, é modo de adquirir a propriedade pela posse prolongada; notabiliza-se a segunda pela feição negativa, é a perda da ação atribuída a um direito pelo não-uso dela durante certo lapso de tempo.
Clóvis Bevilaqua conceitua a prescrição como a “perda da ação atribuída a um direito, e de toda a sua capacidade defensiva, em consequência do não uso dela, durante determinado espaço de tempo”.
Não há que se confundir prescrição e decadência. A primeira atinge o direito de ação, e por consequência faz desaparecer o direito tutelado; a decadência atinge diretamente o direito, e por consequência extingue a ação.
É exemplo de prazo decadencial no Direito do Trabalho, o previsto no art. 853 da CLT, que assim determina:
Art. 853 - Para a instauração do inquérito para apuração de falta grave contra empregado garantido com estabilidade, o empregador apresentará reclamação por escrito à Junta ou Juízo de Direito, dentro de 30 (trinta) dias, contados da data da suspensão do empregado.
Também não se deve confundir prescrição e preclusão. Esta é a perda, extinção ou consumação de uma faculdade processual. Portanto, a preclusão é instituto tipicamente processual, ao passo que a prescrição é de direito substancial.
O art. 7., XXIX, da Constituição trata da prescrição trabalhista:
Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social:
XXIX - ação, quanto aos créditos resultantes das relações de trabalho, com prazo prescricional de cinco anos para os trabalhadores urbanos e rurais, até o limite de dois anos após a extinção do contrato de trabalho.
Prescrição intercorrente
A prescrição intercorrenteé aquela que ocorre durante o processo, se este ficar paralisado por inércia do titular da ação, durante certo lapso temporal.
Logo, o que se busca com a prescrição intercorrente é punir o titular da ação por sua negligência em não dar andamento ao processo.
Ocorre, entretanto, que se atentar se a paralisação realmente deu-se por inércia do titular da ação, ou se ocorreram fatos suspensivos da prescrição.
O Novo Código de processo Civil, em seu art. 921 assim determina;
Art. 921. Suspende-se a execução:
I - nas hipóteses dos arts. 313 e 315, no que couber;
II - no todo ou em parte, quando recebidos com efeito suspensivo os embargos à execução;
III - quando o executado não possuir bens penhoráveis;
IV - se a alienação dos bens penhorados não se realizar por falta de licitantes e o exequente, em 15 (quinze) dias, não requerer a adjudicação nem indicar outros bens penhoráveis;
V - quando concedido o parcelamento de que trata o art. 916.
§ 1o Na hipótese do inciso III, o juiz suspenderá a execução pelo prazo de 1 (um) ano, durante o qual se suspenderá a prescrição.
§ 2o Decorrido o prazo máximo de 1 (um) ano sem que seja localizado o executado ou que sejam encontrados bens penhoráveis, o juiz ordenará o arquivamento dos autos.
§ 3o Os autos serão desarquivados para prosseguimento da execução se a qualquer tempo forem encontrados bens penhoráveis.
§ 4o Decorrido o prazo de que trata o § 1o sem manifestação do exequente, começa a correr o prazo de prescrição intercorrente.
§ 5o O juiz, depois de ouvidas as partes, no prazo de 15 (quinze) dias, poderá, de ofício, reconhecer a prescrição de que trata o § 4o e extinguir o processo
O inciso terceiro do artigo acima, afirma que um dos motivos para a suspensão da execução é o fato de o devedor não possuir bens penhoráveis, o que afasta a ocorrência da prescrição intercorrente, pois não é do titular da ação a culpa pelo não prosseguimento do processo.
Portanto não há que se falar em prescrição intercorrente quando o devedor não tiver bens penhoráveis.
O cabimento ou não da prescrição intercorrente no processo do trabalho, é alvo de severas divergências doutrinárias e, sobretudo jurisprudencial. Quanto a esta, basta citar que temos duas súmulas que tratam do assunto, uma do TST, que não admite a prescrição intercorrente em processos trabalhistas e uma do STF, que a admite.
A posição do TST
O Tribunal Superior do Trabalho rechaça a prescrição intercorrente, materializando tal entendimento na Súmula 114:
114 - Prescrição intercorrente
É inaplicável na Justiça do Trabalho a prescrição intercorrente.
Essa súmula é datada de 3 de novembro de 1980, e teve como base o previsto na lei de Execuções Fiscais, Lei n. 6.830/80, de 22 de setembro de 1980, ou seja, o verbete jurisprudencial foi editado menos de dois meses após a publicação da lei dos executivos fiscais, cujo artigo 40 assim prevê:
Art. 40 - O Juiz suspenderá o curso da execução, enquanto não for localizado o devedor ou encontrados bens sobre os quais possa recair a penhora, e, nesses casos, não correrá o prazo de prescrição.
Ocorre, entretanto, que em 2004 foi incluído um parágrafo ao mencionado artigo o qual determina:
§ 4o Se da decisão que ordenar o arquivamento tiver decorrido o prazo prescricional, o juiz, depois de ouvida a Fazenda Pública, poderá, de ofício, reconhecer a prescrição intercorrente e decretá-la de imediato.
Vê-se, portanto, que se o motivo para a edição da Súmula 114 foi a redação do art. 40 da LEF, com a inclusão do parágrafo quarto supra, entendemos que não existe mais razões para manutenção do referido verbete.
Existem casos em que o processo fica paralisado por longos anos tendo o devedor bens e capacidade para pagar a dívida, mas o credor nada faz.
Não admitir-se a prescrição intercorrente no processo do trabalho é eternizar uma dívida, atentando-se contra a segurança jurídica.
Ressalte-se que se não são encontrados bem do devedor, empresa e sócios, neste caso entendemos que a prescrição intercorrente não se aplica.
Parte da doutrina tem posicionamento parcial sobre a prescrição intercorrente no processo do trabalho.
Em seus “Comentários às Súmulas do TST”, Francisco Antonio de Oliveira, após e posicionar contra a aplicação da prescrição intercorrente na seara trabalhista assim escreve:
“Entendemos que, excepcionalmente, poderá haver a possibilidade de declara-se a prescrição intercorrente durante a fase dita de acertamentos(liquidação de sentença), também dita por alguns de pré-execução. Tal se dará quando, havendo sentença ilíquida com trânsito em julgado, o credor, com advogado devidamente constituído, ou assistido propor sindicato, não providencia a liquidação (acertamentos) dentro de dois anos.”
Outro ponto que serve de crítica á Súmula 114, esta na redação do art. 884, § 1ºda CLT, que assim afirma:
Art. 884 – Garantida a execução ou penhorados os bens, terá o executado 5 (cinco) dias para apresentar embargos, cabendo igual prazo ao exeqüente para impugnação.
§ 1º – A matéria de defesa será restrita às alegações de cumprimento da decisão ou do acordo, quitação ou prescrição da divida.
Ora, o artigo supra afirma de forma clara que a prescrição é argumento de defesa, ou seja, só pode ser a prescrição intercorrente, pois a prescrição geral prevista na Constituição da República ena CLT, tem de ser alegada na fase de conhecimento, conforme determina a Súla 153 do próprio TST:
Súmula nº 153 do TST
PRESCRIÇÃO
Não se conhece de prescrição não arguida na instância ordinária.
Por tudo isso entendemos equivocada a posição adotada pelo TST quanto a prescrição intercorrenteno processos trabalhista.
A posição do STF
O Supremo Tribunal Federal tem posição contrária a do Tribunal Superior do Trabalho, conforme se depreende da leitura das súmulas 150 e 327 da Excelsa Corte:
Súmula 150
Prescreve a execução no mesmo prazo de prescrição da ação.
Súmula 327
O direito trabalhista admite a prescrição intercorrente.
Pela leitura conjugada das súmulas acima, conclui-se que a prescrição intercorrente é admissível no processo do trabalho no mesmo praz da ação principal, ou seja, em dois anos, consoante os termos do Art. 7. XXIX, da Constituição da República e do Art. 11 da CLT.
A prescrição intercorrente no Novo CPC
O NCPC afirma que se ele é aplicado supletiva e subsidiariamente nos processos trabalhistas:
Art. 15. Na ausência de normas que regulem processos eleitorais, trabalhistas ou administrativos, as disposições deste Código lhes serão aplicadas supletiva e subsidiariamente.
E os artigo924 trata da prescrição intercorrente:
Art.924.Extingue-se a execução quando:
V-Ocorrer a prescrição intercorrente.
A CLT não trata de forma expressa sobre a prescrição intercorrente, mas só de forma indireta conforme visto acima no art. 884.
Nosso entendimento é o de que se aplica a previsão do art. 927do NCPC aos processos trabalhistas.
Ocorre que o TST mais uma vez se equivoca na interpretação da lei quanto à prescrição intercorrente, pois a Instrução Normativa n. 39/2016 afirma que é inaplicável nos processos trabalhistas a previsão do art. 927 do NCPC.
Conclusão
A conclusão a que chegamos é a de que o artigo 924 do NCOC tem aplicação plena nos processos trabalhistas em razão do previsto no artigo 15 do mesmo diploma legal, pois a prescrição intercorrente deve ser aplicada no processo do trabalho quando exista a inércia do credor por mais de dois anos.
Somente não se aplica a prescrição intercorrente quando o devedor não tem bens para garantir a execução da sentença condenatória.
Entendemos, ainda, que a Súmula 114 do TST é totalmente equivocada, pois a prescrição intercorrente é prevista na CLT no artigo 884, já que não se pode concluir que a prescrição ali prevista como matéria de defesa em sede de embargos seja a prescrição ordinária, pois esta somente pode ser arguida na fase de conhecimento.
Logo, correta é aposição do Excelso Supremo Tribunal Federal que entende ser cabível a prescrição intercorrente em processos trabalhistas, previsão contida na Súmula 327.
Bibliografia consultada
Monteiro, Washington de Barros. Curso de Direito Civil, Parte Geral. 22ª edição. Saraiva. São Paulo.
Neves, Daniel amorim Assumpção. Novo Código de Processo Civil-Inovações, Alterações, Supressões.Editora Método. Rio de Janeiro.
Oliveira, Francisco Antonio. Comentários às Súmulas do TST.6ª. edição. LTr. São Paulo.
Dellore, Luiz.Duarte, Zulmar. Gajardoni,Fernando, Roque. Andre,Tomita. Ivo Shigmura, Novo CPC-Anotado e Comparado.EditoraFoco.Indaituba-SP