Dando seguimento ao IV Fórum Nacional dos Direitos da Pessoa com Deficiência, nesta segunda-feira (9), promovido pelo Conselho Federal da OAB e pela Comissão de Direitos das Pessoas com Deficiência da OAB SP, os painéis da tarde abordaram as experiências dos advogados com deficiência e acessibilidade no acesso à justiça, tanto em âmbito estrutural quanto arquitetônico, além das experiências desses profissionais em juízo.
Durante o painel “O Advogado com Deficiência”, Emerson Damasceno, presidente da Comissão dos Direitos dos Autistas do CFOAB, destacou a realidade do capacitismo estrutural e as barreiras enfrentadas diariamente pelas pessoas com deficiência. Ele enfatizou que essas barreiras afetam diretamente as prerrogativas dos advogados. Damasceno também apontou a falta de tecnologia e empatia nas instituições, ressaltando que o capacitismo institucional impede a plena inclusão e representatividade das pessoas com deficiência no campo jurídico.
Luís Cláudio Freitas, subprocurador-regional do Banco Central da 2ª Região - RJ, abordou a necessidade de um plano de valorização dos advogados com deficiência, destacando a urgência de realizar um censo para identificar as demandas desse público dentro da OAB. Ele ressaltou que a acessibilidade deve ser associada às prerrogativas profissionais, conforme previsto na Constituição e na Lei de Inclusão, garantindo que advogados, magistrados e clientes tenham pleno acesso aos autos judiciais, preservando assim os direitos dos profissionais com deficiência.
Já a diretora da Seção de Acessibilidade do Tribunal de Justiça de São Paulo, Patrícia Pucci, apresentou os avanços implementados pelo tribunal para garantir maior acessibilidade, tanto para servidores quanto para advogados. Ela destacou que, apesar de o fórum ser considerado 100% acessível, ainda há muitas melhorias a serem feitas. O TJSP estabeleceu um cronograma até 2027 para implementar reformas que melhorem a acessibilidade arquitetônica, mas essas iniciativas dependem do orçamento disponível.
Na contramão do exposto por Patrícia, Jelres de Freitas, advogado de Sumaré, reforçou a urgência de transformar o ambiente jurídico em um espaço mais acessível. Ele questionou se é realista esperar que os tribunais se tornem acessíveis até 2027, reiterando que a acessibilidade deve ser uma prioridade imediata, não um objetivo futuro. Em um relato pessoal, Jelres narrou um episódio em que ficou preso com uma cliente em um elevador quebrado, ficando sem acesso ao banheiro por horas: "Ficamos das 9h às 13h no primeiro andar, e eu saí mijado de lá, no andar não havia banheiro acessível". Ele finalizou com uma crítica ao sistema: "Na casa onde deveria haver justiça, não existe justiça; essas são as falas de um advogado que esquenta a barriga no balcão".
Adriana Bezerra, advogada e membro da Comissão dos Direitos da PCD do CFOAB, compartilhou sua experiência como pessoa com paralisia cerebral, destacando que sua luta pela sobrevivência começou desde os primeiros dias de vida. Ela enfatizou que a acessibilidade não pode ser vista como algo a ser conquistado no futuro, mas como uma necessidade urgente e imediata. "A acessibilidade precisa ser para o aqui e agora", afirmou, ressaltando que as mudanças são indispensáveis para garantir a inclusão plena de pessoas com deficiência no exercício da advocacia e na sociedade como um todo.
João Carlos de Oliveira Jr., consultor de igualdade e inclusão para empresas privadas, destacou a baixa empregabilidade das pessoas com deficiência, apontando que, apesar de representarem 9% da população, apenas 2% fazem parte da força de trabalho. Ele observou que a falta de acessibilidade, a associação equivocada entre deficiência e doença, e o capacitismo estrutural são os principais obstáculos que impedem a inclusão dessas pessoas no mercado de trabalho.
A conselheira estadual da OAB SP, Natalia Sukita, apresentou uma proposta de atualização da carteira funcional, que sugere a inclusão de uma observação identificando o profissional como "pessoa com deficiência", além de um campo opcional para contato de emergência. Essa mudança busca garantir maior segurança e visibilidade para advogados com deficiência, facilitando o acesso a serviços e atendimentos em situações de emergência.
No painel final do Fórum, intitulado "A Pessoa com Deficiência em Juízo", Mário Maia, advogado e ex-conselheiro do Conselho Nacional de Justiça, expressou sua frustração ao abordar questões básicas de acessibilidade. Ele criticou a burocracia excessiva para a construção de rampas nos fóruns, afirmando que "não é prazeroso vir a São Paulo e explicar o óbvio". Mário enfatizou a falta de respeito às pessoas com deficiência e criticou a resolução 479 do CNJ, de novembro de 2022, que dispõe da utilização do Sistema Nacional de Pareceres e Notas Técnicas para magistrados concederem ou não, em sede de liminar, de fármaco, órtese, prótese ou qualquer outra tecnologia em saúde. Para Mário Maia a resolução é "inconstitucional e imoral do início ao fim", e reverteu importantes conquistas para pessoas com deficiência.
O defensor Público Federal, André Naves, trouxe uma análise crítica sobre as estruturas sociais excludentes, afirmando que as relações de poder incentivam a exclusão de grupos minorizados, o que reflete o declínio da sociedade. "Não existe pessoa deficiente, existe estrutura social deficiente", disse Naves, sublinhando que a inclusão não é um ato de bondade, mas um dever da sociedade. "Ou a sociedade será inclusiva, ou será bárbara", completou.
José Rubens Plates, procurador do Ministério Público Federal em Araraquara, abordou as iniciativas do Fórum Paulista para Acessibilidade e Inclusão e destacou o excelente desempenho paralímpico do Brasil, que alcançou uma marca histórica. Plates também ressaltou os marcos legais de acesso à justiça para pessoas com deficiência, com ênfase na Lei Brasileira de Inclusão (LBI), que reforça os direitos desse grupo no sistema jurídico.
Para o advogado e membro consultor da Comissão dos Direitos da Pessoa com Deficiência do CFOAB, Cauhê Talarico, as dificuldades de acesso à justiça enfrentadas por pessoas com deficiência, afirmando que a falta de acessibilidade vai além do ambiente jurídico. "As dificuldades de acesso à justiça são apenas um detalhe; não há acessibilidade nem nas ruas, quem dirá nos tribunais", afirmou.
Vanessa Ziotti, membro da Comissão dos Direitos da PcD da OAB SP , compartilhou uma experiência pessoal marcante em que teve suas prerrogativas feridas em juízo ao defender uma cliente autista no TRT em São Paulo, em um caso que envolvia a adaptação do ambiente de trabalho. Ela relatou que a juíza responsável afirmou não ter tempo para lidar com todas as adaptações que pediam à ela, dizendo que, se assim fosse, não conseguiria mais realizar outras tarefas. Vanessa, que também é autista, se sentiu ofendida pela postura da magistrada. "Ela me mandou reclamar com o CNJ. Isso não é ter as prerrogativas feridas?", questionou, reforçando o impacto do capacitismo nas relações profissionais e judiciais.
Sarah Nicolleli, presidente da AMME - Associação de Mãos de Mães de Pessoas com Esquizofrenia compartilhou uma experiência pessoal dolorosa relacionada a uma tentativa de suicídio, destacando os muitos desafios enfrentados por pessoas com esquizofrenia. Ela relatou que, em diversas situações, não encontrou inclusão e acolhimento adequados para lidar com sua condição. Seu testemunho evidenciou a ausência de políticas e estruturas de apoio para pessoas com esse diagnóstico, expondo como a falta de inclusão agrava ainda mais o sofrimento de quem vive com doenças mentais.
Marques Elex, advogado e membro consultor da Comissão dos Direitos da Pessoa com Deficiência do Conselho Federal da OAB em Tocantins, trouxe uma reflexão sobre o uso de legal design nas petições, afirmando que essa prática contribui para a exclusão de muitos. “Os documentos anexados aos processos não são acessíveis, o que torna a missão dos advogados com deficiência muito difícil. Nós não queremos igualdades formais, queremos igualdades materiais", pontuou, reforçando a necessidade de uma inclusão real e efetiva no sistema jurídico.
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