A introdução da inteligência artificial generativa (IAG) nos tribunais brasileiros representa um dos avanços mais promissores e desafiadores do sistema judiciário contemporâneo. Conforme destacado no relatório do CNJ, o uso dessas ferramentas pode melhorar significativamente a eficiência na tramitação de processos, oferecendo soluções automatizadas para tarefas repetitivas, como a elaboração de minutas, busca de precedentes e análise de documentos. No entanto, para que os benefícios sejam plenamente aproveitados, é essencial que o uso dessas tecnologias seja acompanhado por uma governança robusta, capaz de mitigar os riscos associados ao seu emprego.
Do ponto de vista operacional, a IA generativa tem o potencial de transformar o dia a dia dos tribunais, especialmente no que diz respeito à velocidade com que decisões processuais podem ser elaboradas. Ferramentas como o ChatGPT e outros modelos de grande escala de linguagem podem ser usados para gerar textos que replicam, com boa precisão, a linguagem jurídica. Essa capacidade permite uma economia substancial de tempo, particularmente em processos de massa ou repetitivos. Contudo, um dos principais riscos associados ao uso dessa tecnologia é o chamado viés de automação, que se manifesta quando o usuário confia excessivamente no resultado gerado pela IA sem questionar sua validade.
Esse risco é especialmente preocupante em áreas técnicas ou complexas, como o Direito, onde a simples correspondência de padrões de linguagem pode não ser suficiente para assegurar uma decisão justa e adequada. Ferramentas de IA podem cometer “alucinações”, ou seja, gerar informações fictícias que parecem verdadeiras. No contexto judicial, isso pode significar a citação de precedentes inexistentes, conclusões incorretas ou até erros factuais que prejudicam diretamente as partes envolvidas. Por esse motivo, é imperativo que a utilização da IA nos tribunais seja sempre acompanhada de uma revisão humana criteriosa. O magistrado continua a ser o decisor final e responsável, cabendo-lhe verificar a precisão e a pertinência do material produzido.
Outro ponto importante é a transparência no uso da IA. O relatório do CNJ sugere que, para preservar a confiança no sistema judiciário, todos os operadores do direito, bem como as partes envolvidas, precisam ser informados sobre o uso dessas tecnologias. A opacidade no uso de IA pode gerar uma sensação de insegurança jurídica, principalmente se as partes ou seus advogados não souberem se uma decisão foi parcialmente automatizada. Além disso, a transparência interna entre magistrados e servidores também é fundamental para garantir que o uso da IA seja apropriado e revisado adequadamente.
A responsabilidade pelo uso da IA também não pode ser subestimada. Embora a IA seja uma ferramenta de apoio, a decisão final e a responsabilidade por ela recai sobre os magistrados. A IA deve ser vista como um auxílio no processo de decisão, mas jamais como um substituto para o julgamento humano. Isso porque a atuação jurisdicional envolve não apenas a aplicação fria da lei, mas também a interpretação das normas e a sensibilidade às particularidades de cada caso. A IA, por mais avançada que seja, ainda não é capaz de compreender nuances éticas e sociais que frequentemente permeiam os conflitos judiciais.
Além disso, o uso de IA nos tribunais brasileiros levanta questões importantes sobre privacidade e proteção de dados. Ferramentas de IA generativa geralmente operam com grandes volumes de dados, o que inclui informações pessoais sensíveis. Em conformidade com a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), é necessário assegurar que o uso de dados pelos tribunais ocorra de maneira ética, protegendo os direitos dos indivíduos. A inclusão de dados pessoais em prompts, por exemplo, pode representar um risco se não houver políticas claras que impeçam a coleta e o uso indevido dessas informações pelas plataformas que fornecem os modelos de IA.
A educação e o treinamento contínuo dos magistrados e servidores do judiciário também são fundamentais. Para que as ferramentas de IA sejam usadas de forma eficiente e ética, é preciso que os operadores do Direito estejam familiarizados com suas potencialidades e limitações. A implementação de programas de capacitação é uma medida necessária para garantir que os usuários dessas ferramentas compreendam que, embora úteis, elas exigem uma supervisão humana constante. A formação adequada pode, inclusive, ajudar a mitigar o viés de automação, evitando que decisões injustas sejam tomadas com base em sugestões incorretas da IA.
No cenário internacional, já existem precedentes de utilização de IA em sistemas judiciais, como na China, onde algoritmos são usados para acelerar a tramitação de casos simples. No entanto, essa prática gera preocupações sobre a imparcialidade das decisões automatizadas, uma vez que a IA pode ser influenciada por vieses presentes nos dados usados para treiná-la. Isso reflete a necessidade de haver uma supervisão humana rigorosa e contínua, que assegure a integridade do processo judicial e que as ferramentas de IA estejam alinhadas com os princípios fundamentais do Direito.