
Atualizações, informações e projeções futuras sobre o uso da tecnologia pelos principais órgãos do Judiciário brasileiro foram os assuntos em destaque na palestra de abertura da Fenalaw 2024, que tratou do ‘Uso Ético e Responsável da IA pelo Poder Público e seu Impacto no Mercado Jurídico’.
Participaram do painel, como palestrantes, Alexandre Colares, secretário de Governança e Gestão Estratégica da Advocacia Geral da União (AGU); Luiz Fernando Bandeira de Mello Filho, conselheiro do Conselho Nacional de Justiça (CNJ); e Natacha Moraes de Oliveira, CIO- secretária de Tecnologia da Informação do Superior Tribunal de Justiça (STF) - a moderação foi de Alexandre Zavaglia, diretor da Legal&Tech Design.
Natacha destacou as iniciativas do Supremo Tribunal Federal (STF) no uso de IA, com ênfase no sistema "VITOR", que desde 2018 otimiza a classificação de processos, reduzindo o volume de casos que chegam aos ministros. Natacha também falou sobre 'VITORIA’, ferramenta criada a partir de um aprimoramento do VITOR, que agrupa processos semelhantes, facilitando a identificação de novos temas a serem julgados, além de outras ferramentas em desenvolvimento no STF.
Zavaglia comentou sobre o progresso do Brasil no uso de dados abertos e estruturados no sistema judiciário, comparando com países como a China, onde ainda existem limitações em termos de disponibilidade de dados por tribunal. E citou a importância da criação do Grupo de Trabalho sobre inteligência artificial no Poder Judiciário, constituído pelo CNJ em 2023, e cujo objetivo é realizar estudos e apresentar proposta de regulamentação do uso de sistemas de inteligência artificial generativa baseada em grandes modelos de linguagem no Poder Judiciário.
O conselheiro do CNJ, Luiz Fernando Bandeira de Mello Filho, destacou que, no Brasil, devido a dificuldades históricas, foi necessário um grande investimento em tecnologia judicial. Segundo ele, a criação do CNJ teve um papel essencial ao incentivar os tribunais a compartilhar dados em uma plataforma única. Isso possibilitou não apenas a apresentação desses dados de forma padronizada, mas também a exigência de desempenho na análise e no uso dessas informações.
"Atualmente, há uma corrida entre os tribunais brasileiros para aplicar inteligência artificial (IA) na análise de julgados. Tribunais como o TJ do Rio de Janeiro e o do Paraná estão na vanguarda dessa implementação. O TJ-RJ está desenvolvendo o sistema Assis, que aprende o estilo dos magistrados e otimiza a produção de sentenças. Essa tecnologia tem o potencial de acelerar os processos decisórios e reduzir custos. No entanto, ainda existem questões éticas e regulamentares a serem enfrentadas", destacou, informando que o TJ-PR adotou uma ferramenta comercial, o Copilot, para automatizar e personalizar decisões judiciais, inclusive com proteção de dados.
Bandeira de Mello garante que a Justiça brasileira caminha a passos largos no uso das tecnologias e destacou que o CNJ desenvolveu uma plataforma única, que promove mais transparência e eficiência, permitindo o monitoramento da performance dos tribunais. A Sinapses possibilita treinamento supervisionado, controle de versionamento, distribuição e auditoria dos modelos de Inteligência Artificial, que estabelece parâmetros de sua implementação e funcionamento no Poder Judiciário. O palestrante ponderou que “há desafios significativos, como a necessidade de equilibrar o desenvolvimento tecnológico entre as diferentes regiões do país”.
Já Alexandre Colares destacou a importância de compreender o desenvolvimento da inteligência artificial (IA) e suas limitações no sistema de justiça. Ele explicou que a tecnologia passa por um ciclo de maturidade, conforme descrito no modelo "Hype Cycle", onde há um período de euforia seguido de decepção, até que atinja um estágio de aplicação sustentável e gere valor real a longo prazo.
Colares argumentou que embora a IA já tenha demonstrado seu potencial, é preciso cautela para evitar expectativas irreais e entender onde ela é mais eficaz. E ressaltou o desafio de equilibrar as expectativas de curto prazo com os benefícios de longo prazo, sublinhando que a tecnologia ainda não está pronta para resolver todos os problemas complexos enfrentados por instituições do sistema de justiça, explicando que a AGU incorporou a inteligência artificial generativa aos processos de trabalho da instituição voltados à gestão e produção de documentos jurídicos e administrativos.
"A IA foi disponibilizada para produção textual, classificação e triagem de documentos. Há também um chatbox e usamos o Super Sapiens, sistema institucional de gestão de documentos, batizado como iAGU", apontou.
O secretário de Governança e Gestão Estratégica da AGU ainda enfatizou a necessidade de as instituições amadurecerem e trabalharem em conjunto com a IA para poderem entregar justiça de forma eficiente, seja de forma judicial ou extrajudicial. As questões éticas, segundo o palestrante, serão cada vez mais relevantes à medida que a IA avança, e será fundamental que os profissionais do Direito mantenham o foco em questões sensíveis e complexas que a tecnologia ainda não consegue solucionar.
Alerta sobre as “alucinações” que IAs podem gerar
Apesar de ressaltarem a inevitabilidade do uso das inteligências artificiais no meio jurídico, os palestrantes também chamaram a atenção sobre as “alucinações” que elas podem gerar.
Bandeira de Mello alertou que as IAs podem “alucinar”, por exemplo, ao interpretar documentos e processos judiciais. Um ponto importante foi a observação de que, em alguns casos, a IA pode criar informações fictícias, como casos de jurisprudência inexistentes, para complementar textos, o que pode causar sérios equívocos no andamento dos processos.
“Há uma longa jornada para alcançar uma maturidade completa no uso dessas ferramentas, e é fundamental utilizar técnicas adequadas para mitigar esses riscos, como a implementação de mecanismos que limitem as ‘alucinações’ das IAs”, afirmou.
Zavaglia ressaltou que, embora a tecnologia tenha avançado consideravelmente, ela não deve ser encarada como uma solução mágica ou definitiva para todas as demandas do sistema de justiça.
Natasha ressaltou a importância de que as instituições jurídicas estejam alinhadas no desenvolvimento ético e no entendimento dos limites e capacidades da IA, buscando sempre a entrega da justiça com responsabilidade e precisão.
Por fim, os palestrantes concluíram que a verdadeira missão das instituições jurídicas é desjudicializar os processos e promover a entrega de direitos ao cidadão, trabalhando para um sistema de justiça mais justo e acessível, com o uso inteligente da tecnologia.
A 21ª edição da Fenalaw começou nesta quarta-feira (23) e acontece até sexta-feira (25) no Centro de Convenções Frei Caneca, em São Paulo.