Empatia, vitimização, meritocracia e falta de oportunidades. Essas foram algumas das mensagens transmitidas pelos dez palestrantes do 2º Fórum Paulista sobre Direitos da Pessoa com Deficiência - A pessoa com Deficiência nos dias atuais. O evento foi promovido pela Comissão de Direitos das Pessoas com Deficiência da OAB SP (Ordem dos Advogados do Brasil Seção São Paulo), na tarde de terça-feira (3), no Dia Internacional das Pessoas com Deficiência.
Ao abordar temas relevantes, o Fórum teve como objetivo promover discussões e trazer reflexões sobre questões que envolvem acessibilidade, educação inclusiva, mercado de trabalho, saúde e os direitos fundamentais de pessoas com deficiência.
A presidente da Comissão dos Direitos da Pessoa com Deficiência da OAB SP, Camilla Varella, disse que, por mais que a pessoa não tenha deficiência, ela irá adquiri-la ao longo dos anos, seja por uma limitação de audição, visão ou mesmo de locomoção. Por isso, é importante entender e respeitar a limitação de cada um.
Varella também comemorou a aprovação do Plano de Valorização da Advocacia para pessoas com deficiência , ocorrida na última segunda-feira (2). “É algo muito importante e fiquei muito feliz que conseguimos avançar nesse projeto”.
Na abertura do primeiro painel, a promotora de Justiça, Celeste Leite dos Santos, falou sobre a importância da conscientização no combate à violência, além de tratar de questões específicas da área jurídica para o apoio às vítimas. “Muitas vezes, a própria vítima se sente culpada porque ela não tem um respaldo da lei e isso precisa ser revisto e estudado”.
Já a terapeuta e pesquisadora no Núcleo de Estudos em Identidade da PUC SP, Vanessa Meirelles, contou sua experiência como mãe de uma pessoa com deficiência. Quando seu filho tinha três anos, ela recebeu o diagnóstico de que ele teria pouco tempo de vida. “Fui para a área de inclusão devido à realidade que vivia em casa. E por isso, fui em busca de autonomia e dignidade. Hoje meu filho é um adolescente e tentei mostrar um mundo totalmente diferente do que me falaram que ele viveria”, comentou.
O segundo painel teve enfoque na pessoa com deficiência física e representatividade. Andréa Werner, jornalista e deputada estadual, comentou que recentemente descobriu o diagnóstico de autismo.
Ela trouxe também a questão da educação nas escolas. “Não sabemos ainda qual profissional ideal deve tratar uma criança que precisa ser medicada por uma sonda, se é um fisioterapeuta ou um professor. E, nesse impasse, muitas vezes a criança fica em casa porque a mãe não tem como fazer a administração desse remédio na escola. Temos o dever de prover adaptações para que o indivíduo tenha acesso físico, educacional e comunicacional”, ressaltou.
Já a apresentadora do Podcast AuTi Star, Lilian Ferreira, que também participou do mesmo painel e mora em Maringá, no Paraná, disse que foi candidata à vereadora por quatro vezes e nesse período descobriu que seu filho tinha autismo.
“Por estar nesse meio, entrei na luta para implantar uma clínica de autismo no Paraná. Mas é algo muito difícil. As pessoas criticam e por isso muitas vezes o projeto não sai do papel”, enfatizou Lilian. Ela contou que conseguiu a instalação da clínica, mas teve dificuldades em receber o apoio de governo. “Temos que ficar muito atentos sobre quem está falando sobre direito da pessoa com deficiência. Porque há 10 anos, ninguém falava sobre isso. Hoje, muitos se aproveitam dessa lacuna e tentam pedir voto, mas, efetivamente, não fazem nada”.
O terceiro painel trouxe como tema a pessoa com deficiência e empregabilidade. Thays Martinez, formada em Direito pela USP com especialização em interesses transindividuais, tem deficiência visual e contou que perdeu a visão aos quatro anos.
“Cresci acreditando numa grande mentira, que é o discurso da meritocracia. Se você se esforçar bastante, pode superar qualquer coisa e chegar onde quiser. Quem tem deficiência, sabe que isso, infelizmente, não é verdade”, lamentou Martinez.
Para complementar o painel, o advogado, autista e vice-presidente do Conselho Municipal dos Direitos da Pessoa com Deficiência de Maringá, Antonio Augusto Ferreira, contou que só descobriu o autismo aos 19 anos quando já estava na faculdade.
“Passei por terapia emocional e tive muito apoio da minha mãe. Mas, infelizmente, tive dificuldade em conseguir o primeiro emprego porque perguntavam como um advogado poderia ser autista”, lamentou Ferreira.
O quarto painel tratou sobre maternidade atípica. Tânia Magali, professora, historiadora e indígena, falou sobre o preconceito que sofreu ao se casar com uma mulher negra. “Foi difícil ter uma aceitação na família e na sociedade. Já tive um casamento de 10 anos, no qual tive dois filhos, e após minha união homoafetiva, resolvi adotar uma criança”, explicou.
Magali lembrou de todo o processo que passou até conhecer uma criança de quatro anos e com Síndrome de Down. “Quando o vi pela primeira vez, eu já disse: é meu filho. E não hesitei em criá-lo. Hoje, não imagino minha vida sem ele”, enfatizou.
Muito emocionada, a advogada, presidente da Comissão do Direito da Pessoa com Deficiência e Conselheira da Subseção da OAB Maringá, Izabella Ferreira Martins Militão, contou a sua experiência de ser mãe de uma criança prematura em 2013.
“Na época, a sociedade tinha uma visão totalmente diferente da atual. Fizemos fono e fisioterapia e achava que seria algo temporário. Mas, não foi. Passamos por uma longa investigação e três anos depois descobrimos que ele tinha Síndrome de Willians, algo que acontece em 1 a cada 25 mil nascimentos. Essa síndrome traz deficiência intelectual e problemas orgânicos”, explicou.
Já o último painel abordou o combate ao capacitismo. O esportista paralímpico, Yahansson do Nascimento, que nasceu sem as duas mãos, disse que a sociedade julga pela aparência, antes de ver a potencialidade da pessoa. Nascido em Maceió, ele relatou que na sua infância via as pessoas terem pena dele e que chegaram a dizer que ele teria que pedir esmola devido a sua condição física.
“Nosso papel nas lideranças de pessoas com deficiência é compartilhar experiência e ser voz dessas pessoas. Na minha infância, eu não tinha esse espelho e exemplo. Hoje sou referência no atletismo e incentivo as pessoas a iniciarem no esporte, algo que eu só tive aos 17 anos”.
O bacharel em Matemática Aplicada à Informática e conselheiro no Conselho Estadual para Assuntos da Pessoa com Deficiência do Estado de São Paulo, José Silvio Barreto, lembrou da importância do amor da família para as pessoas com deficiência. "É importante que acreditem em você e ter uma ampla rede de apoio”.
Barreto contou que sua mãe teve seis filhos e três nasceram com osteogênese imperfeita (ossos frágeis), inclusive ele. “As pessoas me criticavam e ela falava: ‘a doença dele é nos ossos, mas a cabeça é boa’. Isso me encorajava e eu demorei a perceber que tinha deficiência”, explicou.
Já o advogado na Fundação Dorina Nowill para cegos e Presidente do Conselho Municipal de Assistência Social de São Paulo, Marcelo Panico, contou que perdeu a visão por conta de um problema genético. "Foi impactante, nunca tinha convivido com cegos e fiquei dois anos em luto. Depois que fiquei cego, quis encerrar minha carreira de advogado porque me sentia incapaz. Não curti o nascimento da minha filha", lamentou.
"A falta de conhecimento faz com que as pessoas tenham essa crença capacitiva. Tive a oportunidade de inclusão e, com o apoio da minha esposa, retornei a minha carreira de advogado", explicou Panico.
Cartilha
Durante o evento, também foi lançada a 1ª cartilha de Direitos das Pessoas com Doenças Raras do Brasil. Acesse o conteúdo clicando aqui.