Privacidade, Proteção De Dados e Inteligência Artificial

08 de janeiro de 2025 - quarta

‘Arcabouço jurídico brasileiro é robusto para enfrentar mudanças das plataformas’, avalia Solano de Camargo

Presidente da Comissão de Privacidade, Proteção de Dados e Inteligência Artificial da OAB SP comenta as decisões da Meta e seus impactos no Brasil

A Meta, empresa responsável pelo Facebook, Instagram e Threads, anunciou na última terça-feira (7) o fim do uso de checagem independente de fatos em suas plataformas. A medida será substituída por um sistema de ‘notas da comunidade’, similar ao utilizado pelo X (antigo Twitter), em que os próprios usuários deixam comentários sobre a precisão do conteúdo.

Em comunicado oficial, Mark Zuckerberg, presidente-executivo da empresa, declarou que os moderadores profissionais eram “politicamente tendenciosos” e que a decisão reflete um retorno às “raízes da liberdade de expressão”. Até o momento, as decisões da empresa têm sido aplicadas ao ordenamento jurídico norte-americano. No entanto, considerando o papel global da Meta, surgem muitos questionamentos sobre a aplicabilidade dessas medidas em outros países.

O que muda a partir de agora?

A decisão da Meta traz mudanças significativas na moderação de conteúdo. A empresa eliminou a checagem externa de fatos, transferindo para os usuários a tarefa de avaliar a veracidade das postagens. Além disso, as políticas de restrição foram flexibilizadas, permitindo mais liberdade em temas como imigração e gênero. A moderação agora será focada apenas em conteúdos ilegais, como tráfico de drogas, terrorismo e abuso sexual, o que pode resultar na permanência de mais conteúdos controversos na plataforma.

Outra alteração importante é o retorno do destaque às postagens sobre política, atendendo a uma suposta demanda do público, conforme argumentado por Zuckerberg. As mudanças refletem uma aposta da Meta em priorizar a liberdade de expressão, mas levantam questionamentos sobre os riscos de desinformação e seu impacto em contextos democráticos, como o brasileiro.

De acordo com Solano de Camargo, presidente da Comissão de Privacidade e Proteção de Dados e Inteligência Artificial da OAB SP (Ordem dos Advogados do Brasil Seção São Paulo), a fala de Zuckerberg tem que ser contextualizada conforme o ordenamento jurídico norte-americano, onde a Primeira Emenda à Constituição e a Lei de Decência nas Comunicações vão ao encontro do discurso do chefe da Meta. “Nos Estados Unidos, as pessoas já têm uma liberdade de expressão quase centenária. Existe uma lei ordinária que rege as redes sociais, onde, em sua seção 230, basicamente confere imunidade às plataformas sobre a responsabilidade de conteúdo publicado por terceiros. As únicas exceções são a violação de leis criminais. Então, quando analisamos a Primeira Emenda e essa Lei Federal americana, elas estão dentro desse discurso que o Zuckerberg fez”, pontua.

E no Brasil? Como fica?

Para Camargo, o modelo brasileiro é o mais moderno e funcional em relação aos demais. Para ele, a moderação judicial é o caminho mais eficiente, onde a responsabilidade deixa de ser das plataformas e é passada ao Judiciário. “Temos 30 anos de experiência bem-sucedida na moderação de conteúdos prejudiciais em matéria de fake news, desinformação ou de atos antidemocráticos, cuidadosamente lapidada pelos tribunais, que estabeleceram uma situação clara e transparente sobre o tratamento do conteúdo prejudicial no país”, diz Camargo em relação à legislação.

Por fim, Solano de Camargo considera que o Brasil está maduro para enfrentar as mudanças das plataformas da Meta no país. “O Brasil possui um arcabouço jurídico que, comparado ao da União Europeia, dos Estados Unidos e da Alemanha, é muito mais evoluído e funcional. Atualmente, nosso ordenamento é composto pelo Marco Civil da Internet, em seus artigos 19 e 21, pela Constituição Federal, pelo Código de Defesa do Consumidor e pelo Código Civil”, destaca.

Segundo o especialista, esse aperfeiçoamento legal poderia ser feito a partir de uma ampliação do Artigo 21 do Marco Civil da Internet. Atualmente, o referido artigo estabelece que as plataformas tirem do ar conteúdos relacionados a nudez e cenas de atos sexuais mediante denúncias de usuários das próprias plataformas - demais conteúdos considerados ofensivos devem ter a remoção solicitada mediante ordem judicial, conforme estabelece o artigo 19. “O artigo 21 poderia ser ampliado para atender discursos de ódio, postagens que envolvem questões de saúde, conteúdos de promoção de suicídio, automutilação e cyberbullying, por exemplo. Situações objetivas que poderiam ser atribuídas às plataformas por canais de denúncia por parte do ofendido”, conclui o profissional.


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