Tecnologia e Inovação

24 de fevereiro de 2025 - segunda

OAB SP participa da regulamentação da Inteligência Artificial pelos tribunais

CNJ aprovou parâmetros de uso da IA no Judiciário, com base em estudos feitos por grupo de trabalho que tem contribuição da Ordem paulista

Da esquerda para a direita: Rodrigo Badaró, conselheiro recém nomeado ao CNJ ; Luiz Fernando Bandeira de Mello Filho, ex-conselheiro do CNJ ; Alexandre Freire Pimentel desembargador do TJPE ; Laura Schertel Mendes, relatora do Grupo de Trabalho (GT) ; Alexandre Zavaglia, presidente da Comissão de Tecnologia e Inovação da OAB SP

Sob o princípio da centralidade do magistrado na supervisão do uso da Inteligência Artificial (IA) no Judiciário, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) aprovou, na última terça-feira (18), a minuta de regulamentação do uso da IA nos tribunais. O texto aprovado é resultado de um ano de estudos realizados por um grupo de trabalho formado por magistrados, servidores do Ministério Público (MP), da Defensoria Pública, membros ligados à academia da advocacia e a própria OAB SP (Ordem dos Advogados do Brasil Seção São Paulo).

Presidente da Comissão de Tecnologia e Inovação da Ordem paulista, Alexandre Zavaglia integra o grupo como especialista fora do Judiciário. Ele destaca que a regulamentação do uso de IA no Judiciário é um processo de transformação digital que vem acontecendo nos últimos 20 anos. “Desde a criação dos sistemas de processo eletrônico, passando pela digitalização dos autos e organização dos dados, até termos o ambiente adequado para o avanço do uso de IA. O que ganhamos é a transparência em relação aos projetos em andamento no Judiciário, sobre as formas de uso e os níveis de risco, sobre como e em que condições pode ser utilizada, e como garantir o seu uso ético e responsável”, aponta o especialista.

Zavaglia pondera, no entanto, que não basta criar uma regulamentação, mas é preciso acompanhar de perto, discutir boas práticas e formas de acompanhamento. “Para isso, a Resolução instituiu o Comitê Nacional de Inteligência Artificial do Judiciário para monitorar os projetos e garantir o cumprimento dessas orientações de governança e gestão de riscos, que contempla a participação efetiva da advocacia entre seus membros. Então, essa Resolução é um passo importante, mas o trabalho só está começando, e só a construção desse ambiente colaborativo vai permitir os ajustes, melhorias e o cumprimento dessas orientações”, frisa. 

Confira, abaixo, a entrevista completa com o presidente da Comissão de Tecnologia e Inovação da OAB SP.

Jornal da Advocacia: O que efetivamente muda com a aprovação do ato normativo que regula o uso de IA no judiciário?

Alexandre Zavaglia: Esse é um processo de transformação digital do nosso Judiciário, que vem acontecendo nos últimos 20 anos. Desde a criação dos sistemas de processo eletrônico, passando pela digitalização dos autos e organização dos dados, até termos o ambiente adequado para o avanço do uso de IA. O que ganhamos é a transparência em relação aos projetos em andamento no Judiciário, sobre as formas de uso e os níveis de risco, sobre como e em que condições pode ser utilizada, e como garantir o seu uso ético e responsável. A construção dessa Resolução foi um processo que demonstrou a colaboração entre os diversos setores, ao longo de um ano, com importante atuação da advocacia. Tudo isso mostra que o objetivo não é substituir o magistrado, mas utilizar a tecnologia a favor do acesso à Justiça, da celeridade e a qualidade na prestação de serviços jurisdicionais, e do respeito ao devido processo legal. Mas, é claro que existem muitos problemas, na prática, e a Resolução aprovada pelo CNJ tem o objetivo de estabelecer a governança, a auditoria, o monitoramento e o uso responsável da IA no âmbito do Poder Judiciário, para promover a inovação tecnológica e a eficiência dos serviços judiciários de modo seguro, transparente, isonômico, com a observância de seus direitos fundamentais.

JA: Quais são as normativas que garantem que os juízes não usarão a IA como uma ferramenta decisória?

Alexandre Zavaglia: O ponto principal é que o CNJ não está regulando a IA, mas regulamentando as regras de governança para o seu uso ético e responsável no Judiciário, harmonizando essas iniciativas com a nossa legislação. O artigo 5º, XXXV da Constituição, por exemplo, garante o acesso ao Judiciário e ressalta que a tomada de decisão é prerrogativa exclusiva do juiz, e o LIII que ninguém será processado nem sentenciado senão pela autoridade competente. O Código de Processo Civil (art. 371) estipula que os juízes devem avaliar livremente as provas e fornecer fundamentação detalhada em seus julgamentos, e o Código de Processo Penal (art. 155), dispõe que a convicção do juiz deve ser baseada na livre apreciação da prova produzida em contraditório judicial. O trabalho do CNJ, por meio do Grupo de Trabalho nomeado pelo ministro Luís Roberto Barroso e coordenado pelo conselheiro Luís Fernando Bandeira de Melo e pelo ministro do STJ Ricardo Villas Boas Cueva, com a participação de diversos especialistas nomeados, também contou com a participação de toda a comunidade jurídica. Isso foi possível por meio de audiências públicas e sugestões por escrito, para adequar esse uso a essas normas legais, inclusive, com as discussões do nosso Marco Regulatório da IA (PL. 2338/23), em tramitação no Congresso Nacional. Então, já temos uma base legal na CF e nos códigos de processo, que essa resolução busca incorporar nessas práticas.

JA: Para a advocacia, qual é a importância de ter o uso de IA regulamentado no Judiciário?

Alexandre Zavaglia: A formalização de diretrizes que colocam o juiz como único responsável pelas decisões, pela valoração das provas, e que garantem também o respeito às prerrogativas dos advogados, o direito das partes e o devido processo legal. Mas, não basta criar uma regulamentação, é preciso acompanhar de perto, discutir boas práticas e formas de acompanhamento. Para isso, a Resolução instituiu o Comitê Nacional de Inteligência Artificial do Judiciário para monitorar os projetos e garantir o cumprimento dessas orientações de governança e gestão de riscos, que contempla a participação efetiva da advocacia entre seus membros. Inclusive, o texto final incorporou alguns instrumentos que garantem a participação da OAB nesse processo, como no acesso às auditorias de sistemas (art. 12, VIII), às avaliações de impacto e o direito de peticionar ao Comitê (art. 5º § 3º) solicitando a auditoria dos sistemas e outras formas de controle. Por tudo isso, essa Resolução é um passo importante, mas o trabalho só está começando, e só a construção desse ambiente colaborativo vai permitir os ajustes, melhorias e o cumprimento dessas orientações. A tecnologia é muito nova, complexa e em desenvolvimento, com novidades a cada dia, o que mostra que tudo isso deve ser contínuo, com estruturas capazes de permitir esse diálogo e a implementação desses conceitos.

JA: Os cidadãos saberão quando o caso terá uso da IA no processo?

Alexandre Zavaglia: Cada tribunal deve informar as formas de uso em suas políticas internas, tornando essas informações acessíveis a toda a sociedade e deve publicar seus projetos na plataforma SINAPSES do CNJ. O que se busca é que não queremos juízes robôs, mas juízes que se utilizam da tecnologia para apoiar sua atividade, com a supervisão em todas as etapas. É isso que devemos monitorar. Também é importante entender que não existe uma IA, mas várias técnicas e tipos diferentes para a leitura e classificação de documentos, para melhorar a consulta de jurisprudência, para gerar minutas que devem respeitar o perfil decisório de cada magistrado. E tudo estará presente, de modo geral, em todas as atividades, nas diferentes etapas. Não se trata só de saber quando será usado, porque a busca de jurisprudência com IA, por exemplo, estará presente em todos os casos, mas de garantir que a decisão final é do juiz, e quais foram os cuidados para garantir que isso aconteça, em cada uma dessas etapas de desenvolvimento e uso.

JA: A regulamentação da IA pelos magistrados pode gerar um uso massivo da ferramenta no Judiciário? Isso apresenta algum risco para a advocacia e para a sociedade?

Alexandre Zavaglia: O uso de IA é uma realidade na área jurídica, não só no Judiciário, como também na advocacia, no Ministério Público, na Defensoria Pública, e em muitos outros órgãos que fazem parte do Sistema de Justiça. E o Brasil, com mais de 80 milhões de processos em andamento, é um dos casos mais importantes de uso de IA no mundo. Como temos acompanhado, essa inovação tem nos ajudado a classificar milhares de informações de processos judiciais, contratos, entre outros documentos jurídicos, como permitido o apoio em atividades do nosso dia a dia, no suporte à decisão com informações mais qualificadas e até para a sugestão de minutas. Tudo isso pode ser positivo ou negativo, dependendo da forma como utilizamos. Por isso, precisamos investir em educação e formação para compreender os limites e riscos dessa tecnologia e como aplicá-la da forma correta, colocando sempre as pessoas e o Direito no centro. E essa regulamentação caminha nesse sentido. O caminho é longo e estamos só começando.


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