Na última semana, a OAB SP (Ordem dos Advogados do Brasil Secional São Paulo) reuniu especialistas para o seminário “60 anos do golpe de estado de 1964 — Legados e o Futuro”. As mesas de debate foram conduzidas por Priscila Akemi Beltrame, presidente da Comissão de Direitos Humanos da OAB SP.
Coordenador da Comissão Nacional da Verdade (CNV), o advogado e professor Pedro Dallari abriu o evento. Ele explicou a importância da Portaria Interministerial 1321/2015, documento pouco conhecido, segundo ele, que valida toda a informação registrada no relatório da CNV e, por isso, é crucial para mudar o rumo de processos relacionados ao tema. Instituída em 2012, a CNV tinha como objetivo apurar graves violações de Direitos Humanos ocorridas entre 18 de setembro de 1946 e 5 de outubro de 1988. O resultado deste trabalho foi uma série de relatórios publicada em 2014.
Eduardo Valério, membro do Ministério Público de SP, utilizou o relatório da CNV para elaborar uma Ação Civil Pública, iniciada em 2021, que sugere transformar o prédio que foi sede do DOI-Codi em Memorial. Atualmente, o local abriga uma delegacia. “O relatório é fonte de provas, aponta o que é inquestionavelmente sabido sobre as torturas e desaparecimentos que ocorreram na época”, afirmou o promotor.
Entre outros fatos, foi no DOI-Codi que a ex-presidente Dilma Rousseff foi torturada, e o jornalista Vladimir Herzog foi assassinado. No entanto, o local não tem nenhuma placa ou indicação de sua história.
Com um discurso emocionado, em que lembrou importantes episódios do regime ditatorial, Adriano Diogo, geólogo e ex-deputado estadual, relatou como foi o trabalho da Comissão da Verdade do Estado de São Paulo, a qual presidiu. Segundo ele, na época, entre 2014 e 2020, chegaram de Brasília alguns vetos a temas polêmicos, mas a Comissão decidiu não atendê-los. “Houve pedidos para não falar das mortes e dos desaparecidos políticos, que a ditadura chamava de terroristas. Citavam, ainda, a participação da embaixada americana no golpe e o papel da Fiesp e de empresários brasileiros. Não atendemos a nenhum deles”, contou o ex-deputado.
Diogo ressaltou que o relatório da Comissão Nacional da Verdade, entregue há dez anos, foi o primeiro documento que registrou e levou a público as violações de Direitos Humanos que ocorreram durante o regime ditatorial. “A partir dele, afloraram séries, documentários e filmes. Os brasileiros demoraram 50 anos para saber exatamente o que aconteceu”, lembrou o geólogo.
Na avaliação dos especialistas, além de reconhecer esses fatos, o país ainda precisa fazer algumas lições de casa. “É importante debater a revisão da Lei da Anistia, em votação no Supremo, o papel do militarismo e das políticas de segurança pública, que ainda servem ao estado e não cidadão”, defendeu Eduardo Valério.
Mulheres e povos indígenas
As lutas das mulheres e dos povos indígenas durante e depois do regime ditatorial também foram destaque no seminário. A jornalista e pesquisadora Mariluce Moura, recentemente reintegrada à Universidade Federal da Bahia, da qual foi expulsa por perseguições políticas durante a ditadura, participou da mesa “A Luta das Mulheres Pela Democracia”. Ao lado dela, estava a jornalista e escritora Shellah Avellar, que deseja criar um Centro de Referência de Reparação Psíquica para Vítimas de Violência do Estado integrado ao SUS.
O professor e advogado Flávio de Leão Bastos Pereira, organizador do seminário e que foi membro da Comissão da Verdade de Osasco, mediou a mesa “Povos Indígenas e Ditadura”. Entre os participantes estava Claudia Regina Plens, professora e arqueóloga que participou das escavações no terreno do DOI-Cod, além três líderes indígenas: o jornalista Douglas Krenak, o historiador Edson Kayapó, e Pedro Pankararé, membro do Conselho Estadual dos povos indígenas (CEPISP). Também fez parte do debate o jornalista Rubens Valente, colunista da Agência Pública de Jornalismo Investigativo, em Brasília.
Maurice Politi abriu o painel “A Luta Pelos Memoriais em São Paulo”. Escritor e ex-preso político, ele é fundador e atual diretor-executivo do Núcleo de Preservação da Memória Política (NM). O debate contou com a presença do advogado Belisário dos Santos Jr, ex-secretario da Justiça e Defesa da Cidadania do Estado de SP e membro da Comissão Arns de Direitos Humanos e da Comissão Internacional de Juristas.
Também participou Paula Capriglione, pedagoga, também participou do último painel e falou sobre o legado do pesquisador Marcelo Zelic (1963-2023). Ele dedicou sua vida à defesa dos direitos dos povos indígenas e participou dos estudos sobre violências contra os povos indígenas durante a Comissão Nacional da Verdade.
Assista abaixo à íntegra do seminário