Alexandre Alves Vieira¹
Tiago Cappi Janini²
Muito embora as chamadas “custas processuais” sejam um encargo que deve ser suportado pelas partes, ou seja, por aqueles que litigam em processos judiciais, não se pode negar que, de certo modo e a depender do valor fixado, elas representam um obstáculo para que os cidadãos reivindiquem os seus direitos perante a Justiça e, portanto, para a própria atividade advocatícia. Com alguma frequência, nos deparamos com processos que envolvem valores bastante expressivos, cujo pedido nem sempre é acolhido pelo Poder Judiciário. Aliás, algumas vezes, em primeira instância, o autor da ação é bem-sucedido, mas a decisão, até então favorável, é modificada pelo Tribunal. É comum também que, em primeira instância, o pedido do autor seja negado, sendo concedido em segunda instância, ou até mesmo nas instâncias superiores. Nesses casos, mesmo que o cidadão esteja coberto de razão, para recorrer, é necessário recolher as custas a título de preparo recursal. Até aí, nenhum problema, uma vez que os serviços judiciários não são gratuitos, sendo que quem busca o auxílio do Poder Judiciário para resolver os seus problemas deve contar com a possibilidade de custear tal atividade.
Chamam a atenção, no entanto, as recentes modificações no cálculo das custas trazidas pela Lei nº 15.855, de 02 de julho de 2015, do Estado de São Paulo, que passaram a valer a partir de janeiro de 2016. Entre outras alterações, merece destaque o aumento do valor do preparo, até então calculado à razão de 2% sobre o valor da causa, que passou a ser apurado com a alíquota de 4% sobre a mesma base.
Alguém, por exemplo, que tenha a esperança, pautada pela jurisprudência dominante dos Tribunais Superiores, de reverter uma sentença desfavorável terá que recolher 4% sobre o valor da causa como condição para o processamento do seu recurso. O que dizer, ainda a título de exemplo, de uma causa em que o valor atribuído seja de R$ 1.000.000,00? O preparo deverá ser de R$ 40.000,00. É muito provável que a parte vencida em primeira instância, a despeito de não se enquadrar no conceito de pessoa pobre, a ponto de ser merecedora da Justiça Gratuita, não disponha dos recursos financeiros exigidos para o exercício do seu direito de defesa em sua plenitude.
É inegável que a exigência, tal qual prevista na Lei Paulista nº 15.855/15, é inconstitucional. Daí porque a Seccional Paulista da Ordem dos Advogados do Brasil ajuizou, ainda em 2015, uma Ação Direta de Inconstitucionalidade, questionando a validade da mencionada lei sob diversos aspectos. O processo foi distribuído ao Órgão Especial do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo sob o nº 2208372-95.2015.8.26.0000, tendo sido proferido acórdão por meio do qual o pedido foi julgado improcedente, por unanimidade. A decisão foi tempestivamente desafiada por recurso que aguarda a apresentação de contrarrazões pela Fazenda Pública. Em tempos de crise econômica e aperto monetário, esperar que o principal interessado no assunto coloque de lado as próprias necessidades para dar passagem ao protagonismo das regras e princípios constitucionais é tarefa que flerta com a utopia.
De todo modo, para bem compreender o tema, sem prejuízo dos argumentos muito bem apresentados na mencionada ADIN, é importante que tenhamos em mente que, para além de se tratar de figura que habita o cotidiano processual, as chamadas custas processuais nada mais são do que um tributo, na modalidade de taxa. Nesse particular, não podemos perder de vista o fato de que as “taxas de serviços”, segundo a Constituição Federal e o Código Tributário Nacional, decorrem de serviços públicos específicos e divisíveis, vale dizer, de situações em que seja possível identificar quem são os usuários e qual o custo do serviço. Por assim dizer, deve haver um paralelo entre o valor da taxa cobrada e o custo do serviço público prestado.
O fato gerador das taxas é uma atividade estatal específica diretamente referida ao contribuinte, que pode ser o exercício do poder de polícia ou a prestação ou a potencialidade de prestação de um serviço público. Por isso, classifica-se como um tributo vinculado. Em outras palavras, por ser utente de um serviço público, o contribuinte remunera o Estado por meio de uma taxa.
Em virtude de se referir a uma atividade estatal vinculada ao contribuinte, o valor da taxa, determinado por meio da conjugação da base de cálculo com a alíquota, deve estar atrelado ao custo do serviço público do qual se trata. O particular, ao fazer uso do serviço público, retribui pecuniariamente o Estado. Eis um limite imposto para a cobrança das taxas: o seu valor deve ser o custo da atuação estatal. A finalidade das taxas, portanto, não é arrecadar dinheiro aos cofres públicos.
Sinteticamente, a regra-matriz da taxa judiciária pode ser formulada assim: dado o fato de o contribuinte utilizar-se do serviço público forense, deve ser a cobrança da taxa, cuja base de cálculo é o valor da demanda sobre a qual incide a alíquota de 4% como preparo para os recursos.
Conforme visto acima, o valor da taxa deve estar relacionado com o custo da atividade estatal, no caso, o serviço público forense para julgamento de recursos. Nada justifica que essa taxa tenha arrecadação que ultrapasse significativamente a importância da despesa estatal para prestar esse serviço. Ao se instituir como base de cálculo o valor da causa e majorar em 4% a sua alíquota, deixa-se de referir-se ao custo efetivo da atividade forense.
Nessa ordem de ideias, não se pode dizer que o custo para a solução de um processo em que os montantes patrimoniais em discussão sejam elevados é necessariamente maior do que os gastos necessários para o desfecho de um conflito envolvendo valores menos expressivos. Basta ver que há processos em que são discutidos milhões de reais que versam exclusivamente sobre matéria de direito, tornando-se desnecessária a fase de instrução processual, em que o Poder Judiciário ocupa o seu tempo com a realização de longas audiências e complexas perícias. Do mesmo modo, há casos que envolvem pequenas importâncias que não prescindem de tumultuadas instruções. Nem se diga que o aumento da responsabilidade decorrente da exorbitância dos valores em discussão resulta em majoração dos custos para o Judiciário, simplesmente porque esse é o papel que se espera dele: o de apreciar os litígios com absoluta atenção e compromisso, independentemente dos montantes em disputa, sem que tal cuidado represente aumento de gastos.
Pensar de modo diverso equivaleria a desprezar o comando constitucional que determina que a tributação, mesmo em se tratando de taxas, deve seguir o ritmo da capacidade contributiva do cidadão, ao mesmo tempo em que corresponderia a trair a lógica que anima a cobrança das taxas, que devem estabelecer um paralelo entre o valor exigido e o custo do serviço prestado ou colocado à disposição, com vistas a atender o princípio da referibilidade, inerente a essa espécie tributária.
Destarte, entende-se que a taxa judiciária cobrada nos moldes da Lei de São Paulo nº 11.608/03, alterada pela Lei nº 15.855/15, é inconstitucional, dentre outros motivos, por expressa afronta ao princípio da referibilidade à atividade estatal, uma vez que o valor exigido dos litigantes não corresponde ao custo dos serviços forenses prestados.
¹Mestre em Direito pelo UNIVEM. Advogado e professor das disciplinas de legislação tributária e de planejamento tributário no curso de Ciências Contábeis e de pós-graduação do UNIVEM. Presidente da Comissão de Direito Tributário da 31ª Subseção da OAB – Marília.
²Mestre e Doutor pela PUC/SP. Atualmente é aluno do Programa PNPD/CAPS pela UENP. Advogado e professor nos cursos de graduação e pós-graduação em Direito da UENP. Vice-Presidente da Comissão de Direito Tributário da 31ª Subseção da OAB – Marília.